A geografia no tribunal
- jornalccc
- 13 de mai. de 2015
- 5 min de leitura
A partir da leitura do texto base extraído do livro Justiça: o que é fazer a coisa certa, do professor de direito de Harvard, Michael J. Sandel, organizar
atividades nas diferentes aulas que despertem o interesse dos alunos em torno do tema “Ética e cidadania” pelo olhar de diferentes disciplinas. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, o tema transversal passa por um questionamento aparentemente simples, porém bastante controverso. O homem vive em sociedade, convive com outros homens e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. No livro, o autor apresenta diversos estudos de casos do cotidiano da sociedade
americana para aprofundar assuntos da filosofia do Direito. A proposta inicial é a leitura comum do estudo de caso a seguir resumido. Trata-se da morte de um taifeiro, que ocorre em um bote à deriva, no mar, para salvar a vida dos outros náufragos. Após a leitura do caso, as disciplinas interessadas podem se reunir e propor atividades conjuntas.
O debate do caso dos náufragos apresenta-se como uma grande possibilidade de relacioná-lo ao conceito de Democracia. Ao simular o julgamento de uma maioria que se beneficia em detrimento de uma minoria, coloca-se a questão, para o grupo de adolescentes, de forma concreta e lúdica, se a democracia deve corresponder ao benefício da maioria ou se seria um sistema de governo que deve ter como princípio a representatividade da minoria. Além disso, essa atividade de simulação permite que os estudantes do oitavo ano sejam introduzidos de forma lúdica aos temas que fundamentam o pensamento político e sociológico da criação do Estado e das leis. Entre esses fundamentos destaca-se o conceito de estado de natureza, retratado no caso pela situação dos náufragos, que têm a função de explicar a situação pré-social na qual os indivíduos existem isoladamente. Eis a principal concepção do estado de natureza:
1. A concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou "o homem lobo do homem". Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar.
2. O estado de natureza de Hobbes (...) evidencia uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para fazer cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder político e as leis.
3. A passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política.
Marilena Chauí (profª de filosofia na USP e autora de vários livros)(Do livro: Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, ano 2000, pág. 220-223)
http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/contratualistaschaui.html
Objetivos:
- O trabalho de simulação de um tribunal na disciplina de geografia do oitavo ano tem como objetivo desenvolver as habilidades e competências para a construção de argumentos, bem como estimular o debate e a valorização das diferenças, através de um jogo dramático.
- Os grupos pesquisarão teses e evidências para a construção de argumentos. Além disso, utilizarão como recurso de pesquisa a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- Desenvolver a competência discursiva e o discurso autoral, ampliando o repertório sociocultural do aluno.
A simples leitura coletiva do caso já cumprirá a função de nos tirar da zona de conforto,
servindo como um convite à reflexão do papel de cada indivíduo na sociedade.
Trecho extraído do capítulo2: O princípio da máxima felicidade/ O utilitarismo
No verão de 1884, quatro marinheiros ingleses estavam à deriva em um pequeno bote salva-vidas no Atlântico Sul, a mais de 1.600 km da costa. Seu navio, o Mignonette, naufragara durante uma tempestade; eles tinham apenas duas latas de nabos em conserva e estavam sem água potável. Thomas Dudley era o capitão; Edwin Stephens, o primeiro-oficial; e Edmund Brooks, um marinheiro- “todos homenes de excelente caráter”, segundo os relatos de jornais.
O quarto sobrevivente era o taifeiro Richard Parker, de 17 anos. Ele era órfão e fazia sua primeira longa viagem pelo mar. Richard se alistara contra o conselho de amigos. No bote, os 4 marinheiros à deriva olhavam o horizonte, esperando que um navio passasse para resgatá-los. Nos primeiros 3 dias, comeram pequenas porções de nabo. No quarto dia, pegaram uma tartaruga. Conseguiram sobreviver mais alguns dias. Depois ficaram sem ter o que comer por oito dias.
Parker, o taifeiro, estava deitado no bote. Bebera água salgada, contrariando a orientação dos outros, e ficara doente. Parecia estar morrendo. No 19º dia de provação, Dudley, o capitão, sugeriu um sorteio para determinar quem morreria para que os outros pudessem sobreviver. Mas Brooks, o marinheiro, foi contra a proposta, e não houve sorteio.
Chegou o dia seguinte e não havia navio à vista. Dudley pediu a Brooks que desviasse o olhar e fez um gesto para Stephens indicando que Parker deveria ser morto. Dudley fez uma oração, disse ao rapaz que a hora dele havia chegado e o matou com um canivete, apunhalando-o na jugular. Brooks deixou de lado a objeção de sua consciência e participou da divisão do prêmio. Durante 4 dias, os três homens, se alimentaram do corpo e do sangue do taifeiro. No 24º dia finalmente apareceu o navio, escreveu Dudley. Quando voltaram para a Inglaterra foram presos e levados a julgamento. Brooks foi testemunha de acusação.
Suponhamos que você fosse o juiz. Como os julgaria?
O mais forte argumento da defesa foi que, diante das circunstâncias extremas, fora necessário matar uma pessoa para salvar três. Se ninguém tivesse sido morto e comido, todos os 4 provavelmente teriam morrido. Parker, enfraquecido e doente, era o candidato lógico, já que morreria logo, de qualquer maneira. E, ao contrário dos outros, não tinha dependentes. Sua morte não privaria ninguém de sustento e não deixaria mulher e filhos de luto.
Considerações do caso:
1- Primeiramente, pode-se perguntar se os benefícios de matar o taifeiro, analisados como um todo, realmente pesaram mais do que os custos (danos). Mesmo se considerarmos o número de vidas salvas e a felicidade dos sobreviventes e seus familiares, a aceitação desse crime poderia ter consequências negativas para a sociedade em geral- enfraquecendo a regra contra o assassinato, por exemplo, aumentando a tendência de se fazer justiça com as próprias mãos.
2- Se, mesmo depois de todas as considerações, os benefícios pesassem mais do que os custos, não teríamos a incômoda impressão de que matar e comer um taifeiro indefeso é errado, por motivos que vão além dos cálculos de custos e benefícios sociais? Não é um erro usar um ser humano dessa maneira - explorando sua vulnerabilidade, tirando sua vida sem seu consentimento - mesmo que isso seja feito em benefício de outros?
Uma visão utilitarista, que colocaria as causas e consequências em uma balança, tem como ponto de vista de justiça que a coisa certa a fazer é aquela que produzirá os melhores resultados. Uma outra visão ou abordagem dirá que as consequências não são tudo com o que devemos nos preocupar, moralmente falando; devemos observar certos deveres e direitos por razões que não dependem somente das consequências sociais dos nossos atos.A moral é uma questão de avaliar vidas quantitativamente e pesar os custos e benefícios? Ou certos deveres morais e direitos humanos são tão fundamentais que estão acima de cálculos dessa natureza? Se certos direitos são assim, fundamentais, como podemos identificá-los? E o que os torna fundamentais?
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos- humanos.html
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